MIGRANTES E REFUGIADOS TÊM O APOIO DA UEPG PARA ACESSAR O MERCADO DE TRABALHO
Pessoas vindas de outros países contam com projetos de extensão na Universidade
No mês em que se comemora o Dia Mundial do Migrante e Refugiado, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) apresenta o trabalho realizado no auxílio às pessoas que buscam melhores condições de vida no Brasil. O contato ocorre por meio de projetos de extensão, processos seletivos e do ingresso em cursos de graduação e pós-graduação.
O projeto de extensão Processos Migratórios e Intercâmbio (Promigra) é uma das portas de entrada para uma nova vida, com a atuação de alunos e professores de Serviço Social, Jornalismo, Pedagogia e Estudos da Linguagem, desenvolvendo ações socio-jurídicas, cursos de língua portuguesa, rodas de conversa sobre xenofobia e iniciativas educativas para crianças. Em três anos, o projeto já atendeu 140 pessoas.
Lenir Aparecida Mainardes da Silva, coordenadora do Promigra, destaca que todo processo migratório envolve expectativas e que os estrangeiros que se deslocam para Ponta Grossa enfrentamdesafios na barreira linguística, demora para regularizar a documentação, desconhecimento sobre seus direitos e dificuldade em revalidar diplomas. Por isso, segundo ela, o trabalho da UEPG nessa adaptação é fundamental.
“Acredito que, para pessoas migrantes, é importante saber que existem instituições capazes de recebê-las e tratá-las com respeito, garantindo que se sintam seguras e acolhidas”, explica.
Marilisa do Rocio Oliveira, professora de Administração, fala do projeto de empreendedorismo programado para o segundo semestre. “Eles desenvolvem algumas atividades, mas não sabem como formalizá-las. Estamos finalizando um projeto para capacitá-los na elaboração de um plano de negócio, precificação e divulgação, pois eles têm grande interesse em participar de feiras”, explica.
VENEZUELA – Belky Liliana Rivera Dávila é uma das pessoas atendidas pelo Promigra. A venezuelana saiu da cidade de Puerto Ordaz após perceber a deterioração das condições de vida devido à constante instabilidade política do país. Tinha um filho adulto morando em outro país e um menor, de 10 anos. Segundo Belky, chegou um ponto em que precisava escolher entre pagar as contas e comer, pois os preços aumentavam.
“Era muita insegurança, uma situação do povo contra o povo. Eu decidi: não vou continuar aqui, meu filho está pequeno, ele precisa de uma oportunidade”, explica.
O caminho até Ponta Grossa não foi fácil. A jornada começou em 2019, quando ouviu falar do Projeto Acolhida, do Governo Federal, e de uma ajuda oferecida pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (mórmons). Foi para Boa Vista, em Roraima, a quase 13 horas de viagem de sua casa. Vendeu móveis e objetos, e um amigo da família financiou o restante das passagens até a fronteira com o Brasil. Dali, o grupo do qual fazia parte contratou um transporte alternativo para atravessá-los ao lado brasileiro.
Ao se aproximar da fronteira, Belky foi informada de que a travessia seria a pé, por trilhas em meio à floresta. No primeiro dia, o grupo não pôde avançar por causa de uma chuva forte que alagou trechos do caminho. No segundo, indígenas armados quase impediram a passagem, e o guia precisou negociar com o líder deles.
Quando finalmente conseguiu seguir viagem, ela percebeu que a vida não seria fácil. As instalações em Pacaraima, no Brasil, eram precárias e ainda precisariam continuar até Boa Vista, onde conseguiram fazer seus documentos e respirar um pouco mais aliviados. De Manaus, seguiriam para o interior do Brasil por via aérea, assim que houvesse vagas em voos de empresas parceiras. Por duas vezes, ela e o filho foram retirados de aeronaves após já terem embarcado.
“A primeira vez que fui devolvida para o refúgio, eu desabei. Não queria chorar na frente do meu filho, mas naquele momento não consegui segurar as lágrimas”, relembra, emocionada. Na terceira tentativa, foram de Manaus para Recife, depois Belo Horizonte, Ipatinga e Nova Lima. Em Minas Gerais, membros da Igreja de Jesus Cristo ajudaram na ambientação.
Após alguns meses em Ipatinga, mudou-se para São José dos Campos (SP), onde se casou com outro venezuelano. O relacionamento, porém, não durou o esperado, e ela se divorciou. Durante a pandemia, Belky relata que ela e o filho quase morreram de Covid-19. Passada a crise sanitária, foram para Londrina, no Norte do Paraná. Porém, por não se adaptar à cidade, Ponta Grossa foi o novo destino.
A UEPG surgiu como uma forma de aprimorar o português de Belky, juntamente com os serviços de acolhimento da Cáritas, parceira do Promigra. “Sou muito grata pela ajuda e pelos encaminhamentos. Eles são essenciais. E precisamos de certificados para buscar emprego, pois ainda há muitos que discriminam pelo sotaque e negam oportunidades. Isso já aconteceu comigo várias vezes”, relata ela, que tem formação como técnica administrativa, bacharel em Gestão Ambiental e pós-graduação em Magistério.
Atualmente, busca recolocação no mercado de trabalho. “Não podemos perder a esperança. Já passei por tanta coisa. Faço tudo pelo meu filho, que agora tem 16 anos. Quero um futuro para ele. Meu filho mais velho, que hoje mora na Espanha, também me ajuda, mas ele tem a própria família para cuidar”, explica.
PARAGUAI – Carlos Daniel Piñanez Monges era professor no Instituto Superior de Belas Artes de Assunção, Paraguai, onde chegou a ocupar o cargo de diretor-geral, até que problemas de saúde o levaram à aposentadoria por invalidez. Ele também foi diagnosticado com uma forma agressiva de diabetes.
Daniel tinha uma tia que morava há décadas em Ponta Grossa. Ela e os filhos o convenceram a se mudar para o Brasil para tratar a saúde. “Eu desembarquei aqui quase morto. Um primo me trouxe de Assunção até Ciudad del Este, de onde cruzei para Foz do Iguaçu. Cheguei muito doente, com 15 kg a menos do que tenho agora”, detalha.
Em Ponta Grossa, a primeira ajuda veio da Cáritas Diocesana. Assim que se sentiu um pouco melhor, Carlos foi estudar português na UEPG. Foi a porta de entrada para um novo mundo, onde, ao mesmo tempo em que era tratado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), cuidava também do psicológico por ter deixado o Paraguai, com a ex-esposa, uma filha de 26 e outra de 18 anos.
“Sou muito agradecido à UEPG. Aprendi português e ganhei uma nova família, uma família internacional. Às vezes você pode estar mais triste, mas chega aqui, encontra os amigos do curso e já se sente melhor”, conta Carlos.
A tia com quem ele morava faleceu recentemente, mas ele ainda pode contar com o apoio dos primos. Todos os meses, mesmo com a saúde frágil, ele se desloca até Ciudad del Este para receber a aposentadoria. “Às vezes vou a Assunção ver minhas filhas”, explica. Em Ponta Grossa, continua escrevendo ensaios e peças de teatro, um hobby que não abandona. “Já escrevi e atuei em peças em português na igreja que frequento”, lembra.
UCRÂNIA – Yaroslava Muravetska, nascida em Pokrov, na região de Dnipropetrovsk, Ucrânia, passou parte da adolescência em Kryvyi Rih e, aos 17 anos, mudou-se para a capital, Kiev. Lá, formou-se e construiu uma carreira acadêmica, com doutorado em Teoria Literária. Hoje mora em Ponta Grossa como participante do Programa Paranaense de Acolhida aos Cientistas Ucranianos que foram afetados pela Guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Ela recorda que as tensões que culminaram na invasão russa começaram em 2014, com a anexação da Crimeia, mas foi em 2022, quando os russos atacaram Kiev, que ela foi diretamente impactada.
Na época, a pesquisadora estava voltando de uma temporada de estudos na Alemanha, onde havia desenvolvido um projeto na Universidade Livre Ucraniana em Munique. Uma amiga já havia se mudado para o Brasil para pesquisar na Universidade Estadual de Londrina e deu boas referências sobre o país.
“No final do verão, a oportunidade acadêmica no Brasil pareceu particularmente atraente, não apenas pela recomendação, mas também por oferecer um contrato de dois anos. Essa estabilidade me deu esperança de me adaptar, aprender o idioma e trabalhar em um projeto aprofundado”, lembra a doutora.
Nessa mesma época, a guerra se aproximou ainda mais de Yaroslava. “Embora eu tentasse não me concentrar na ameaça constante em Kiev, uma cidade frequentemente alvo de drones e mísseis, era impossível ignorá-la. Poucos dias antes da minha partida, um míssil destruiu um prédio residencial no meu bairro, matando oito pessoas. Essa tragédia me trouxe de volta à realidade da guerra”, lamenta.
A viagem até Ponta Grossa foi feita de ônibus de Kiev a Varsóvia (Polônia) e, de lá, de avião para Lisboa (Portugal), São Paulo (SP) e Curitiba, onde um veículo oficial da UEPG a transportou para a cidade. Agora, com menos de dois meses no Brasil, ela está na fase de adaptação. “Quando como arroz com feijão, carne e suco de maracujá, sinto-me uma verdadeira brasileira, mas quando tento falar ou entender o que as pessoas dizem, a magia desaparece”, brinca Yaroslava.
A ucraniana se diz muito bem acolhida, pois os brasileiros, de modo geral, têm sido receptivos com estrangeiros que ainda não dominam o português. “Já mencionei, mas vale repetir: em muitos países, as pessoas te tratam com distanciamento ou até condescendência quando você não fala o idioma. Aqui, não senti isso. Aprecio a paciência que as pessoas demonstram durante o meu processo de aprendizagem.”
Academicamente, Yaroslava planeja ministrar palestras e minicursos sobre ferramentas digitais em análise textual, além de dar continuidade às pesquisas que desenvolvia em sua terra natal. Seus campos de estudo também incluem o uso de inteligência artificial em traduções e seus efeitos no campo literário, bem como textos de viajantes ucranianos que passaram pelo Brasil e vice-versa. “Em essência, pesquiso o contexto literário ucraniano-brasileiro utilizando ferramentas digitais”, resume.
Yaroslava mantém contato com descendentes de ucranianos em Ponta Grossa, com outros colegas no Paraná e, principalmente, com sua família, com quem fala todos os dias. Eles moram não muito longe da usina nuclear de Zaporizhzhia. “Tento não pensar na possibilidade de um ataque, acidental ou deliberado, à usina, que poderia causar um desastre nuclear”, comenta.
Sobre os planos para o futuro, Yaroslava procura encará-los de forma flexível e aberta, devido à imprevisibilidade que tem enfrentado. Ao mesmo tempo, afirma estar comprometida em continuar suas pesquisas, desenvolver projetos que promovam o diálogo cultural entre Ucrânia e Brasil e contribuir para uma maior visibilidade global dos estudos ucranianos. “E, acima de tudo, espero uma resolução pacífica e justa para a guerra e para o futuro da Ucrânia como um país livre”, completa.
Publicado em 25 de junho de 2025 às 17:10